Há dez anos, quando engravidei, minha vida mudou radicalmente.
De mulher livre, leve e louca, me transformei em mãe solteira… E tive que dar conta disso, com muita humildade e reflexão. Se eu tinha certeza sobre os aspectos que eu não queria impor ao meu filho, tinha sérias dúvidas sobre de que forma iria educá-lo.
Felizmente pessoas bacanas apareceram para me guiar nesse caminho maternal e, para minha grande surpresa, minha própria mãe, maior crítica ao meu estilo libertário de ser, passou a apoiar minhas escolhas como mãe (e depois de um certo tempo, até fazer propaganda disso)…
Mas os processos são assim mesmo, dependem de maturação, avaliação e, no caso da maternagem, doação…
Por isso, optei por me dedicar de corpo e alma à construção do meu lar. E quando me constituí mãe, pude me constituir esposa de alguém. Deixei de ser mãe solteira e encarei um relacionamento monogâmico estável no melhor molde tradicional.
E por dez anos andei pelos caminhos da família, fiz opções em prol do bem de todos, e do meu, é claro…
E confesso, é um mundo seguro.
É tão fácil recolher-se ao santuário do seu lar, desligar a tv, cancelar o jornal, e viver de brincadeiras, cantigas, cuti-cutis e muitas risadas.
Seria uma realidade perfeita, se no mundo lá fora não estivesse rolando a dura realidade do “homem é o lobo do homem”. Um mundo de barbárie, crime, fome, miséria, violência…
Como é que é possível criar um filho em uma redoma de vidro, brilhante e colorida, e depois soltá-lo aos leões?
É claro que isso me incomodava, mas não a ponto de me fazer abandonar o conforto da minha vidinha perfeita.
Aí, veja só, estou lá, meu blog sem atualização há mais de um ano, já tinha saído do orkut, no twitter não aparecia há seculos, dou umas passeadas no Facebook e encontro, no perfil do meu querido irmão Alisson, este texto. O título, Existem mulheres estupráveis?, me chamou a atenção, mas confesso que não li.
Passado uns dias, a linda Gabi (ex-aluna) posta esta notícia sobre a slutwalk do Canadá.
“Não se vista como uma vadia se quiser evitar ser estuprada”.
O quê?
Voltei ao post das mulheres estupráveis e entendi tudo. A culpa do estupro é da mulher: ela pediu, procurou e até consentiu (mesmo dizendo não). Estamos falando de poder, de violência, submissão, exploração…
Do corpo-objeto que “pertence” a alguém…
Eu, que sofro do mal da ingenuidade, pensei: ué, mas a gente não queimou sutiã, não atingiu autonomia e respeito? E agora vão dizer que a minha roupa justa é um convite ao estupro?
Mal sabia eu que era só o caso de mais uns dias para a Isa (amiga de maternagem) mandar esse post.
Socorro! A mãe não pode mais amamentar em público? #runtothehills
Ok, é o fim dos tempos, só resta sentar e chorar.
E assim, eu, santa-mãe decidi lutar pelo sagrado direito de amamentar. Entrei na comunidade do Mamaço Virtual, do Mamaço Curitiba e me envolvi até o último fio do meu sling. Eu que nem amamento mais. No dia, estava lá, acolhendo, apoiando, slingando e dançando.
No final, a querida Lud apareceu, curtiu um picnic na praça e soltou: estamos querendo fazer a Marcha das Vadias.
Opa! Tô dentro!
Na semana seguinte, tive esse diálogo bizarro com a minha amiga Gilce:
– Amigalhes, desculpa aí, mas eu lembrei de você: marcha das vadias em São Paulo!
– Pois é, enquanto não rola por aqui, eu fico com o Mamaço… porque você sabe que pra mim a luta é a mesma.
– Sei sim: Mother Fucker
– Isso aí
E agora tô aí, vadiando… Organizar um evento polêmico dá trabalho. As reações são violentas, os ataques diretos.
Conversei com o Júlio e diariamente reforço a importância de lutar por um mundo melhor.
Sair da zona de conforto. Eu já fiz isso.
Agora estou na zona de guerra, na rua, marchando…
Enquanto isso, a Ana Maria Braga, que faz parte de um tal movimento chamado “Cansei” (só a presença da Regina Duarte me provoca calafrios), nos ensina que devemos ser um “pouco idiotas”. Não, devemos estar na rua, lutando para que não nos idiotizem!
beijos, querida!