Clarice

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Meu primeiro contato com Clarice Lispector foi em 1989, quando li, para a escola, A Hora da Estrela.
É claro que, naquela época, não pude compreender o texto em toda a sua extensão (aliás, acho que nem hoje consigo). Mas serviu para que eu gostasse muito dela.
Dez anos depois, encontrei esse texto na internet e iniciei minha amizade com essa autora fabulosa.
Conversamos muito, eu e Clarice, pois temos inúmeras afinidades e, principalmente, pelo fato dela expressar, em palavras, os véus que recobrem minha alma.

Pertencer (Fragmentos)
Clarice Lispector – A descoberta do mundo

“Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.

Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.

Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino.

Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.

Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de “solidão de não pertencer” começou a me invadir como heras num muro. Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos – e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força – eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.

Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.

A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho.”

4 pensamentos sobre “Clarice

  1. Excelente ideia de ter colocado este “fragmento” aqui.

    Quer dizer que voce e Mmme. Clarice tomam chazinho e conversam como grandes amigas?

    Voce eh mais chique do que jamais pude imaginar!

    Feliz dia dos pais pro seu marido e um excelente domingo pra voce!

  2. Ao som dos bandolins?!?!?

    E como não e porquê não dizer que o mundo respirava se vc apertasse assim….

    Seu colo como se não fosse um tempo em que já fosse impróprio se dançar assim Máira!

    Mas… Vc teimou e enfrentou o mundo se rodopiando ao som dos bandolins!

    Me mande o tratado logo, quero notícias!

    Fui no show do léo e bia to me sentindo q nascí atrasado e na cidade errada!

    Queria se transgressor em Brasília!

    (que é uma booossssta) -> fala do show!

    bjos!
    saudades!

  3. oie…que lindo o texto!Topar com Clarice sempre é bom…tenho quase tudo dela…preciso te mandar uns textos meus…nem que seja pra vc esculachar…o que vc achou do trechinho do romance que eu estou escrevendo e coloquei no blog?me conta as novas…beijos…abração!

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