A sombra

– 1990 – recebi esse texto, fragmento de Nietzsche. Por muito tempo relacionei-o a alguém.
Hoje percebo que se adequa a mim. À minha eterna busca por mim mesma. A sombra de mim mesma, por nunca encontrar meu próprio caminho…

“Mas foi em teu encalço que mais longamente voei e corri e, se escondia-me de ti, era eu, no entanto, tua melhor sombra: onde quer que tu pousasse, pousei eu também.
Contigo vagueei pelos mundos mais frios e distantes, qual um fantasma a caminhar, por sua vontade, sobre telhados invernais e neve.
Contigo almejei por tudo que é proibido, pelo que há de pior, de mais remoto; e, se alguma virtude possuo, é a de que não temi nenhuma proibição.
Contigo destrocei tudo aquilo que, algum dia, meu coração venerara, derribei todos os marcos de fronteira e ídolos, deixei-me atrair pelos mais perigosos desejos – em verdade, não há delito sobre o qual eu não passasse uma vez.
Contigo desaprendi a fá nas palavras, nos valores e nos grandes nomes. Quando o Diabo muda de pele, não perde, com a pele velha, também o nome? Porque também esse é pele. O próprio Diabo talvez seja – pele.
‘Nada é verdade, tudo é permitido’: assim eu dizia, para animar-me. Nas mais gélidas águas me atirei, com a cabeça e o coração. Ah, quantas vezes não fiquei, por causa disso, nu e vermelho como um camarão!
Ah, onde foram parar todo o bem e todo o pudor e toda a fé nos bons! Ah, para onde foi aquela mendaz inocência que, antigamente, eu possuía, a inocência dos bons e de suas nobres mentiras!
Com demasiada freqüência, corri atrás da verdade, colado aos teus pés; e, então, ela pisou minha cabeça. Às vezes, eu pensava mentir e eis que, somente então, encontrava – a verdade.
Coisas demais se me tornaram claras; agora, nada mais me importa. Nada mais existe que eu ame – como ainda haveria de amar-me a mim mesmo?
‘Viver como me apraz ou não viver de todo’: assim quero, assim quer também o ser mais santo. Mas, ai de mim! Como posso ainda, eu, ter alguma coisa – que me apraza?
Tenho, eu, porventura – ainda um fito? Um porto para o qual ruma a minha vela?
Um bom vento? Ah, somente quem sabe para onde vai sabe, também, que vento é bom e favorável à sua navegação.
Que me restou, ainda? Um coração cansado e atrevido; uma vontade inconstante; asas de vôo rasteiro; um espinhaço partido.
Essa procura do meu lar – ó Zaratustra, tu bem o sabes, esta procura foi a minha provação; e me consome.
Onde está – o meu lar? Por ele pergunto e procuro e procurei e não o encontrei. Ó eterno por toda a parte, ó eterno em parte alguma, ó eterno – inutilmente!”

Assim Falou Zaratustra – Friedrich W. Nietzsche

2 pensamentos sobre “A sombra

  1. sombras…hoje estou mais entregue à ela do que às minhas réstias de luz…encarando cada vez mais o meu lado obscuro…talvez pra perceber que a minha luz anda ou muito acesa(as sombras,por incrível que pareça, precisam de luz)ou estou sendo observado por uma luz maior que não me censura, por não ser carrasco, mas que me faz vez o quanto sou apagado, quando posso acender a minha própria luz…já conhecia esse texto…

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