Desde que decidi que teria outro filho pensei em ter um parto domiciliar. Pelo fato de já ter feito um parto (quase) natural, me sentia bastante segura com relação a essa opção.
O primeiro passo foi convencer o Júlio:
– Veja, Amor, estamos nessa linha mais “natureba” e acho que um parto hospitalar vai contra tudo o que estamos vivendo. Todas as mudanças dos últimos anos (alimentação o mais natural possível, trocar a alopatia pela homeopatia, abandonar definitivamente os analgésicos, muita terapia, para deixar as neuroses de lado…) estão nos encaminhando para isso… Você não acha?
Por incrível que pareça, ele topou e embarcamos na “viagem” do parto domiciliar. Decidimos não contar para ninguém, porque sabíamos que era algo “muito radical” e que o medo de que algo desse errado poderia nos contaminar.
Primeira questão: quem será o médico que fará o parto? Depois de alguns contatos, chegamos até a doutora Betty.
Eu já fazia um pré-natal no hospital militar, com o doutor Álvaro, mas só para pesar e medir. A doutora Betty me ajudou na dieta (para evitar anemia), receitou florais, indicou a yoga e fez várias considerações bacanas. Mas com relação ao parto mesmo, nada.
Quando eu já estava no 6º mês participei de um encontro de grávidas no espaço Aobä e foi lá que tudo mudou. Nesse dia, o tema era o parto natural e elas falaram tudo sobre ocitocina, adrenalina, expulsão, respiração, dilatação… E a Thalia ainda fez uma dramatização do comportamento da mulher na hora do parto. Eu saí de lá maravilhada e comentei com o Júlio: por que é que ninguém me falou isso antes? Que a pior posição para parir é a vertical, pois impede a completa abertura do quadril para a passagem do bebê. Que dói mesmo e que a dor tem um papel importante no processo hormonal. Que aquela hora que a gente acha que vai morrer e pede “peloamordedeus alguém tire esse bebê daí que eu to morrendo” é a hora da expulsão mesmo e o babe já vai nascer…
Passamos o final do ano na praia e quando voltei de viagem, na consulta de rotina, o balde de água fria: veja bem, o bebê virou na última eco… tudo bem que ele já desvirou, mas agora você já está com idade e o seu primeiro parto já foi há muito tempo… Ah, ta, não posso fazer o parto em casa porque eu fiz 35 anos no mês passado e agora estou velha para parir?
Saí de lá, como boa grávida, me sentindo a última das últimas… E fui para outra reunião da Aobä. Contei a conversa com a médica e disse que iria procurar opções… Ao sairmos, conversei com o Júlio: e se a gente fizesse o parto com eles? Gostei tanto de todo mundo, a proposta tem tudo a ver com o que a gente pensa… E o Tom poderá nascer em casa…
No dia seguinte a Luciana (coordenadora do espaço) me ligou para dizer que eu não desistisse e eu disse que queria contratá-los para o parto.
A partir dali, tudo lindo! Conversas com toda a equipe (Luciana, Mario, Thalia e Andréa) sobre o que é o parto ativo, o que implica a mudança de paradigma de que quem faz o parto É A MÃE e não o médico, a enfermeira, a parteira… Fiz algumas ecos para garantir que estava tudo ok (porque nas últimas semanas a gente fica neurótica de tanta ansiedade) e fizemos consultas em casa mesmo.
Fui a mais uma reunião de grávidas e levei para casa a bola de pilates (que é a salvação das contrações!). Eu estava sentindo muitas dores naquela semana, mas era o movimento do Tom dentro da barriga. Ele já estava encaixado e “virava” de um lado para o outro, o que doía MUITO. Dois dias depois da reunião eu acordei com dor. Como já havia sentido isso, calmamente comecei a contar. Uma, mais uma, mais uma. Levantei, peguei um celular que estava próximo e fui contanto (sem óculos no escuro é dureza…) 05:32, 05:43, 05:54, 06:05…
Ai, acho que é agora. Acordei o Júlio, avisando: Amor, “amora”… O quê? Tá brincando!!!… Não, amor, ta na hora… E o que é que eu faço? Passa um café e vamos arrumar as coisas.
Levantamos e começamos a preparar o quarto. O Ian estava dormindo conosco, então o passamos para o quarto dele (reclamando: por que o passeio noturno?…) desmontamos a cama e colocamos a nossa na posição para dar lugar para a banheira que seria montada no quarto mesmo. Ligamos o playlist Rockaby, com versões de caixinha de música das nossas bandas favoritas: Ramones, Radiohead, Metalica, Bjork, muito rock-bebesístico para ele nascer calmo ao som de boa música.
Quando estava tudo pronto, liguei pra Lu: qual é o tempo das contrações? 11 minutos. Já tomou banho? Não. Então toma o banho e vê como ficam as contrações, vou arrumando tudo.
Saí do banho e liguei de volta (já eram umas 7:20). Coloquei um camisetão, shorts e meias e fiquei sentada na bola de pilates, abençoada, balançando para aliviar as contrações. A Lu e o Mario chegaram e começaram a preparar a banheira. O Ian ficou um pouco ansioso e achamos que era melhor ele ir para a natação, pois eu também estava começando a ficar incomodada…
Decidi me esticar um pouco no colchão, alongando as costas e o Júlio fez massagens na lombar, mas logo voltei para a bola. A banheira estava montada e a Lu por ali, com o Ayssô, seu bebê que tinha pouco mais de um mês, me observando, mas sem interferir.
Quando começou a doer muito mesmo, perguntei se já podia entrar na banheira. Não estava cheia, mas a Lu disse que ia ajudar a aliviar a dor. E como ajudou! Tirei a roupa, entrei na água, super quente, e nas primeiras contrações a bolsa rompeu! Senti começar expulsão e avisei: ta na hora.
Comecei a me incomodar com a dor e decidi ficar de joelhos. Fiquei apoiada na borda da banheira e o Júlio do lado de fora, na minha frente segurando os meus braços, fazendo força junto comigo. As contrações da expulsão foram rápidas e logo senti a cabeça do Tom sair. Emocionado o Júlio pergunta: o que é que eu faço??????? E a Lu: nada, não faz nada.
Ele me apertou segurando as minhas mãos, com os braços sobre os meus e a gente fez mais uma força juntos. Na próxima contração eu já senti o Tom girando enquanto o seu corpinho ia saindo. A Lu o pegou na água enquanto eu sentava e o colocou no meu colo. Eu quis dar o peito, mas ele estava tão relaxado que não pegou. A Lu fez uma massagem e aspirou o nariz, soprando um pouco de ar, pois na minha movimentação ele poderia ter aspirado a água da banheira. O cordão ainda não tinha sido clampeado, então sabíamos que ele estava recebendo oxigênio. Logo ele abriu os olhos e ela o devolveu para mim e então ele mamou.
Tive que sair da banheira, por causa da expulsão da placenta e só então lembramos de olhar as horas! (9:45) Fui “transferida” para a minha cama, com ele nos braços e fiquei recostada, ele de olhos bem abertos, mamando e observando tudo! Logo chegou a Andréa, enfermeira, que ajudou a decantar a placenta, cortar o cordão e deu os pontos na laceração da pele da vagina.
O Ian chegou em seguida e ficou apaixonado! Mas ele é uma gracinha! Dizia todo emocionado…
Ficamos umas duas horas nessa energia. O apgar foi feito no meu colo. Ele foi pesado e medido em nossa cama. Eu e o Júlio demos o primeiro banho (que foi uma odisséia, porque era muita mão dentro do balde para segurar o pequenino).
E assim o Tom veio ao mundo: em casa, sonhando, com toda a segurança e tranqüilidade de não depender de uma intervenção para forçá-lo fora do seu tempo. Todos nós saímos fortalecidos, empoderados. Uma força inacreditável nos uniu, com laços bem fortes, de amor e de confiança.
sua descrição consegue fazer a gente sentir a dor e a emoção do momento 🙂
Chorando de alegria. Que alívio saber existirem possibilidades. Ufa!