Faltando exatamente uma semana para a Marcha decidi elaborar algumas coisas e fazer um exercício de síntese.
Hoje temos no evento do Facebook 8.482 pessoas afirmando que irão participar da Marcha, 11.388 pessoas que disseram que não irão e 2.291 que afirmam que talvez participarão.
Mesmo que tenhamos apenas umas 50 pessoas de fato no dia, mais de 20.000 homens, mulheres, gays, lésbicas, jovens, entre outros, refletiram sobre o movimento na cidade de Curitiba, no país e no mundo.
Alguns são bem desavisados, não tem a menor ideia do que está acontecendo; outros sabem exatamente do que se trata e mesmo assim se recusam a participar de tal semvergonhice…
Eu, que estou na vibe feminina e feminista desde o início do ano, ampliei meus horizontes e fui procurar entender um pouco sobre o mundo que nos cerca, nossas relações de gênero e todo o tipo de violência a que estamos sujeitas em nossas relações.
Deparei-me com a produção acadêmica engajada e militante, a produzida na “torre de marfim” e o senso comum das redes sociais (e convenhamos que nossa mídia oficial também dá um show de senso comum e, o que é pior, de machismo mesmo).
Então, nessas minhas peregrinações pelos textos referentes ao universo feminino, descobri que o corpo da mulher é submetido historicamente e que no século XIX tornou-se “objeto de censuras que traduzem as obsessões eróticas de uma época e se inscrevem nas imposições da moda”, como afirma Michelle Perrot.
Alguma semelhança? As obsessões eróticas de nossa época aparecem na fala do policial canadense, na piada do Rafinha Bastos, na entrevista do Bispo de Guarulhos ou no comentário da deputada Myrian Rios (você pode ler uma ótima análise de ambos aqui).
Nossa sexualidade ganhou a esfera pública e todos tem alguma opinião a respeito. Seja quanto ao sexo consensual, ao uso do corpo, à exposição do corpo, ao estupro, à homoafetividade…
E as opiniões que expressam atualmente revelam um padrão: o da heteronormatividade, que trata da identidade de gênero e suas variações não aceitas socialmente. Não há espaço para a sexualidade feminina, a menos que esteja submetida à masculina. Não há espaço para a sexualidade homo, bi, trans ou pan. Também não há espaço para a autonomia sobre o corpo.
SUBMISSÃO – esta é a palavra que regula nossa ordem.
Confesso que alternei choque e indignação ao me deparar com tal realidade, mas a Marcha realmente ganhou vida para mim quando cheguei ao ponto fundamental do movimento: a violência contra a mulher.
Mais do que pensar sobre a violência sofrida pela mulher branca, hetero, de classe média (que sou eu), passei a refletir sobre a violência sofrida por todas as mulheres. Então descobri que há anos as mulheres estão marchando e pude pensar bastante sobre por que existem mulheres estupráveis.
Foi incrível discutir com o Júlio sobre isso, pois somos ambos frutos da mesma criação e dos mesmo preconceitos. A prostituta pode ser estuprada porque está sendo paga para isso?
NÃO, NINGUÉM PODE SER ESTUPRADO!!!!!!!! Nem crianças, nem lésbicas, nem gays, nem travestis, nem empregadas domésticas, nem alunas de faculdade.
Esse é o ponto: absolutamente nada justifica a violência!!!!!!!
Esse foi o resultado de minha reflexão. Tão óbvio, mas tão doloroso pensar sobre isso quando se percebe a verdadeira face da violência, quando deixa de ser um conceito abstrato e passa a falar de você.
Foi quando cheguei aos números da violência em Curitiba. Números desencontrados, desatualizados, inexistentes, mas que revelam que existem casos de estupro em TODAS as faixas etárias de 0-60 anos ou mais.
Isso mesmo, temos casos na faixa até 1 ano, de 1 a 4 anos, de 5 a 9 anos… E a faixa com maior número de registros é de 10-19. E maioria dos casos envolve alguém do círculo de relações da família (entre parentes e amigos).
Esses são alguns dos motivos pelos quais eu vou participar da Marcha.
Há muitos outros.
Não quero mais fazer parte da estatística das pessoas que muito reclamam e nada fazem, que se assombram com estes números, mas continuam acobertando casos de violência. Não quero que meus filhos cresçam em um mundo que justifica a violência contra o outro (seja ele quem for).
Quero exigir das instâncias de poder público ações concretas para reverter esse quadro.
Quero exigir da sociedade discussão sobre esses temas, porque enquanto continuarmos sendo tratadas como vadias, enquanto pessoas públicas continuarem declarando seu preconceito impunemente, enquanto continuarmos reproduzindo condicionamentos sociais sem refletir sobre eles, continuaremos a ser violentadas, de todas as formas possíveis.