Alexa

Lá naquele tempo do humor duvidoso e preconceituoso, aquele que feria os direitos humanos e a convenção de Genebra, rolava o bordão “pensa que é bonito ser feio” e sempre me lembro dela quando penso na burrice institucionalizada na qual vivemos hoje. Inclusive aceito sugestões de xingamentos adequados e não especistas, pois burros, jegues, antas e afins levam a culpa pela falta de apreço humana pelo conhecimento.

Por que as pessoas agora se orgulham de sua própria burrice?

Eu realmente acho bem importante a gente conhecer as coisas, não só porque adoro muito aprender e saber sobre tudo e até ensinar – veja só -,  mas também porque é o único jeito de sairmos desse buraco sem fundo e alienante no qual vivemos agora.

Eu gosto de pensar o conhecimento como ferramenta, não só como algo que nos constitui, mas como o que nos instrumentaliza para a vida. Entendo mesmo esses saberes todos como algo que somos, muito além do que algo que temos. E não precisam ser apenas os saberes escolares, acadêmicos e científicos, mas também a nossa experiência.

O que eu sou hoje, aprendi nos livros. Mas também nas relações que estabeleci na vida, de família a amigos ou também no exercício da docência. E olha, nada ensina mais do que conviver com gente. Eu, particularmente, acho tão cansativo que queria até desaprender um pouco, mas não nego que aprendi muito. Principalmente a ficar longe, mas essa é outra história.

Tenho uma lista imensa de causas, consequências e problemas relacionados ao conhecimento ou falta de, mas hoje vou focar só num: a terceirização do saber.

Nessa vida marvada que a gente vive, entupida de estímulos, informações e tarefas a cumprir, sobra pouco espaço pro exercício filosófico e contemplativo do saber. Tudo precisa ter utilidade, para nos anime a “perder um tempo” com isso. Então, eu só me interesso pelo que vai me servir de alguma coisa.

Daí eu terceirizo: alguém organiza o que eu preciso saber e me entrega de bandeja, bem mastigadinho em um podcast ou um tutorial do youtube. Seja sobre a teoria queer ou sobre como trocar tomadas. Eu vou ouvindo enquanto lavo louça e não preciso nem perder tempo lendo.

Terceirizo também meus saberes sobre mim: corro para a terapia, o tarô, a constelação, coachs e influencers com tantas outras estratégias que me dão respostas prontas e, de preferência, manuais de ação.

Eu defendo ferrenhamente a autonomia e o uso de TODAS as ferramentas e ações que nos levem a um caminho mais independente, mas tá dando ruim. A força da geração Alexa (faça pra/por mim) está nos embotando, restringido possibilidades ao invés de ampliar nossos horizontes.

O lado mais perigoso é essa aversão ao saber, ao estudo, ao esforço intelectual, ao pensar. O descrédito da educação, o desprezo à docência, o esfacelamento do ensino público, entre tantos outros lados da mesma moeda: alienação e controle.

Esses dias estava lembrando do Gramsci e seu intelectual orgânico, uma figura conceitual e concreta que sumiu do debate público e teórico, tamanha a irrelevância da produção e ação intelectual hoje.

Enfim, já passou da hora de pensar “para quem estamos terceirizando nosso conhecimento?” Que vozes estamos deixando que falem por nós, de quem estamos “comprando” as nossas ideias? Sei que o povo adora um/uma/ume guru, mas não tá funcionando, gente.

E se abandonássemos as fórmulas prontas e voltássemos para a ideia de multiplicar possibilidades? De melhorar as ferramentas e torná-las acessíveis para todo mundo?

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