Óculos

Essa semana participei de uma banca com um colega que não via há tempos e seu primeiro comentário foi: “brincadeira, a gente fica 2 anos sem ver a Máira e ela parece que rejuvenesceu”. Eu, que tinha passado horas tentando dar um jeito na olheira – que agora além de escura é tão funda que chega a fazer uma valeta na linha que acompanha o nariz – cobrindo com muitas camadas e tonalidades diferentes de corretivo, imediatamente respondi: É a luz.

E é aqui que entram os óculos.

Para quem não sabe, eu não nasci de óculos, mas foi quase. Uso desde 1 ano e pouco e atualmente tenho tudo o que você puder imaginar: estrabismo, hipermetropia, astigmatismo e, agora, presbiopia. Herdei da minha mãe, junto com os olhos verdes. Uma vida toda lutando com armações quebradas e perdidas, a vesguice, quatro-olhos, óculos perdidos, a dificuldade as lentes de contato (também quebradas e perdidas) e um eterno “você fica tão bonita sem óculos”.

Eu passei a vida toda ouvindo que “escondia” minha beleza atrás dos óculos, como se usá-los fosse uma opção e não uma imposição existencial. Por isso, sempre achei engraçado esse movimento em que usar óculos vira moda, é meio sazonal, as pessoas escolhem usar os óculos como acessório, nunca entendi. Talvez essa moldura ajude em algum processo interno, vai saber. Inclusive, para quem não assistiu, indico “A janela da alma”, de Win Wenders. Um primor.

No meu caso, óculos não são apenas um acessório bonito no qual invisto muitos milhares de dinheiros (só a lente multifocal já custa uma fortuna), mas uma prótese sem a qual não tenho funcionalidade alguma. As únicas coisas que faço sem óculos, hoje, são dormir e tomar banho, isso significa que toda a minha rotina é determinada pelo uso dos óculos. As lentes meio que já abandonei, porque não dão conta desse acúmulo de problemas de visão e para usá-las tem que ter os óculos junto.

A idade me trouxe a humildade de entender as limitações do meu corpo e também a liberdade de deixar que a pressão estética não seja mais determinante nas minhas escolhas e angústias, mas os óculos fazem parte da minha identidade, da minha marca, de como eu me vejo e, principalmente, de como vejo o mundo. Determina o que eu consigo ou não enxergar, com que nível de clareza e acuidade, com que tipo de esforço.

Por isso, esse textão é um epitáfio para os meus óculos vermelhos, que partiram dessa para melhor deixando não só o prejuízo físico e material, mas a crise estética-identitária de não poder mais me ver como eu gostaria, enquanto me viro com a armação reserva. Até o logo, que demorei meses para fazer com minhas parcas habilidades de design DIY, perdeu o sentido.

Vamos em busca de novos sentidos, então. É o que temos pra hoje.

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