Eu te amo, mas eu não gosto de você

Há vários dias estou elaborando mentalmente alguns posts referentes à maternagem. Nenhum deles ainda foi publicado e essa é a primeira tentativa de síntese de algo que me incomoda muito.


Desde que engravidei do Ian comecei a observar a forma como as mães se referem aos seus bebês e se relacionam com eles. Quando você realmente presta atenção ao discurso, algumas coisas ficam muito claras:


1. Muitas mães afirmam que preferem a fase “tal”, pois nessa fase a relação com o bebê/criança é mais tranquila.
(observe o fato interessante de que esse mesmo argumento é utilizado em diferentes situações)


– Há mães que curtem muito a gravidez, a barriga, a espera e a fase do bebê até um ano. Adoram amamentar, curtir o baby, aproveitar o carinho contemplativo e o amor incondicional que as inunda quando veem seu neném recém-nascido dormindo. Infelizmente, essa curtição toda passa, talvez na fase de engatinhar ou de começar a andar, ou talvez dure até os dois anos, quando as crianças já começam a manifestar vontade própria.


– Há mães que sofrem muito na fase bebezinho, com os choros e cólicas e, principalmente a incompreensão das vontades do bebê. Sentem-se frustradas por não conseguirem atender às necessidades de seus filhos e filhas e até um pouco impotentes, pois as crianças recém-nascidas não reagem às suas ações da forma que esperam. Nesse caso, o sofrimento inicial é superado lá pelo o segundo ano de vida, quando as crianças já possuem capacidade de expressar suas necessidades e demonstrar reações inteligíveis.


2. As mães acabam invariavelmente se vangloriando das conquistas de seus filhos e filhas.


– Essa é clássica e mais forte do que qualquer mãe: quem resiste ao impulso incontrolável de contar todas as coisas maravilhosas que seu rebento fez? No entanto, essa superexposição dos talentos e habilidades infantis escode um outro aspecto: você é capaz de se orgulhar do seu filho só porque ele existe? Você ama sua prole incondicionalmente, independente das suas realizações? E se a criança não tiver nenhum talento especial e, além disso, tiver algum tipo de dificuldade, como é que você vai se portar na hora de estabelecer o ranking?


3. Quando os filhos crescem, muitas mães não conseguem mais se relacionar com eles.


– Isso pode começar lá na pré-adolescência dos 5 anos. Aquela fase em que a criança começa a desobedecer, testar insistentemente os limites e a dar aqueles pitis vergonhosos em locais públicos. Nesse caso, o problema também tem a ver com a publicidade… As pessoas estão vendo que seu filho está “reinando” e você, além da frustração de não conseguir se relacionar com a criança ainda passa vergonha na frente dos outros.


– Essa situação pode aparecer quando a criança não quer mais comer nada ou só quer comer “besteiras”, quando não quer vestir a roupa que você escolheu, ir à casa da  “sua” amiga brincar com os filhos dela, ficar bem comportadinho…


Estes itens, entre outros milhares que existem, são os mais óbvios no quesito “só te amo quando você faz o que eu quero”. Escolhi-os porque são os que eu mais observo no comportamento de amigas e conhecidas. 
Aí você pode se perguntar: Ah, tá, você é a única no mundo que não faz nada disso?


Comigo a coisa funciona assim: desde que o Ian nasceu, comecei a me trabalhar no sentido de perceber e interiorizar que ele é um indivíduo autônomo, outro ser, independente de mim. Sua existência transcende a minha e apesar de todo o nosso vínculo eu não posso fazer nada a não ser amá-lo.


É claro que eu o educo, ensino e oriento, da melhor forma possível. E que nem sempre o resultado dessa minha ação é o esperado, mas a grade questão é que eu me esforço ao máximo, para permitir que ele exista. Desenvolva sua própria personalidade e descubra seu próprio caminho. 


Com o Tom, procuro agir da mesma forma. Trabalho em mim a expectativa de ter um filho perfeito e de realizar minhas próprias vontades (ou frustrações)  através dele. É um grande desafio, mas me sinto mais forte. Foram dez anos de exercícios diários de amor e liberdade.


Hoje vivencio o desafio da pré-adolescência do Ian. E da possibilidade dele se tornar uma pessoa com uma personalidade diferente da minha… 
Isso sim é amor incondicional, o resto é “pose”.


Em tempo: a argumentação exposta aqui vale para todo o tipo de relação afetiva, principalmente a do amor romântico. As pessoas continuam amando aquele ser que elas gostariam que o outro fosse… Relacionam-se com expectativas, com sonhos, com desejos e não com a pessoa real. Elas amam, e muito, mas não gostam de verdade…

2 pensamentos sobre “Eu te amo, mas eu não gosto de você

  1. Ai, Máira! Tomara que meu medo da vida seja menor do que meu medo da morte, pois gostaria de ainda experimentar isso de que você fala. Seu texto me provocou o ventre. Tomara que esse gostar desconhecido possa fazer parte do meu gesto. Tomara…

  2. Sis, vc é demais!!! Fico boba de ver a sua maturidade e experiência… vc não existe mesmo…. bjsss, saudis, te amo e gosto MUITOOO de vc!!!

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