Antes de começar a ler, ligue a trilha sonora oficial dos Carenteners: Love Sounds by Dj Xamã
Quando comecei a escrever esse texto, o Clube das Desquitadas estava se encontrando nos botecos da vida, todo mundo cheio de contatinhos, alguns virando e outros não, vida que segue. Nos despedimos de 2019 com alegria, porque ano passado todo mundo morreu e achávamos que este ia ser o nosso ano, curtimos férias, pré-carnaval, carnaval, bloquinhos, bem trabalhadas no glitter e no corotinho. E aí veio o coronga vírus.

Ficar em quarentena é algo inédito para a maioria das pessoas e mobiliza muitos afetos e pensamentos conflitantes e angustiantes. Eu sei bem, pois estava grávida em 2009 e passei 30 dias em casa por causa do H1N1 (confesso que não me recuperei até hoje). Mas a pandemia atual obrigou geral ao confinamento e está mudando a forma como percebemos o mundo e como nos relacionamos com ele.

De repente nos deparamos com carência, solidão e isolamento não voluntário e, confinadas, temos que lidar com a impossibilidade de que algo concreto aconteça. Então, vivendo como se não houvesse amanhã, nos jogamos nas redes em busca de algo que faça sentido, seja companhia, apoio, amizade ou um affair quarentener.

Independente de qual seja a sua intenção, é importante lembrar que há diferentes formas de estar junto (ou separado, nesse caso), afetiva e/ou sexualmente, e é importante estar atenta (a si e à outra pessoa) para não se meter numa furada ou não bancar o embuste. Há algumas etapas que geralmente estão presentes nas relações e é bom estar atenta aos sinais.

1. Filtro #EleNão #EleNunca
Não é necessariamente uma fase, mas antes de se envolver com alguém é interessante saber o que se quer e, principalmente, com quem se quer. Há uma grande possibilidade de resolver sair pegando geral e estabelecer algum tipo de filtro pode ser uma boa pra não se jogar naquelas ciladas que todo mundo conhece bem.

Podem ser critérios bem básicos (eu particularmente considero obrigatórios), tipo ser maior de idade capaz de ter uma relação consensual e não ser fascista. Podem ser também critérios mais específicos, como ter o mesmo gosto musical, torcer pro mesmo time, gostar de gatos ou não usar óculos espelhados.
O importante é ativar os filtros e não deixar a carência falar mais alto, pois sabemos bem que “a carência é a mãe da roubada.” (AVERBUCK, Clara, 2018).

2. Contatinhes #chegajunto #vemdezap
Uma sábia alma já disse que qualquer contato é um contatinho em potencial. A gente nunca sabe de onde pode surgir aquele certo alguém que vai abalar as estruturas ou acender a chama da paixão. Pode ser alguém que sempre esteve ali, mas você não percebeu, ou alguém que de repente ficou disponível também. Pode ser uma pessoa que você acabou de conhecer no Tinder ou que você acompanha nas redes sociais. Você não tem como saber se aquela curtida significa algo mais, então fique atenta.

3. Crushs
Segundo um importante e sério debate no Twitter, crush é alguém de quem você está a fim. Nem sempre é um sentimento correspondido e descobrir se é recíproco ou não se torna um processo investigativo digno de Sherlock Holmes. Você aciona as redes sociais, amigues em comum e começa a comentar todas as postagens da criatura. Ou faz a egípcia e espera pacientemente que a pessoa note a sua existência e o seu interesse.

Pode ser que a pessoa nem saiba quem você é, não lembre que vocês já conversaram, no rolê e nas redes, diversas vezes e nem tenha noção de que você tem memória de elefante e guardou todos os fatos importantes da vida dessa pobre alma stalkeada.

Pode ser que a pessoa não esteja interessada, goste de outro alguém ou apenas não goste DE VOCÊ. Saber reconhecer os sinais e respeitá-los é importante. Assédio e stalking só é engraçadinho em comédias românticas da sessão da tarde. Na via real é abusivo e invasivo. Não seja essa pessoa.
4. Flerte #NãoSeiFlertar
A arte do flerte é dominada por poucos e, é claro, não por essa que vos escreve. Se você veio até aqui buscando dicas de como ser bem sucedida no flerte está perdendo seu tempo. A única coisa que eu faço é compartilhar com azamigue experiências frustradas, foras, ghostings, orbitings e todos os nomes bonitos que dão agora para o bom e velho pé na bunda. Aguarde o post sobre foras.

Eu já tive meus bons momentos, colhi alguns frutos, mas também já passei por vários constrangimentos. Toca o barco, é o preço da ousadia. O principal problema é não ter muita noção de como se comportar – ninguém nunca sabe se é pra chegar chegando ou fazer a misteriosa – e também não saber ler os tais sinais.

Há todo um mise-en-scène que precisa ser interpretado, muito preso aos papéis sociais. Quem toma a iniciativa, como responde, até onde pode avançar. Como falar de afeto, desejo, vontade ou até de desinteresse sem parecer exagerada ou insensível demais. Equilíbrio, Daniel San, aquele que não temos.

Na verdade a gente só sabe quando dá certo. Chega a ser um espanto, muitas vezes. Mas um flerte bem sucedido é apenas o começo de uma longa jornada. Como as fases de um videogame, o nível de dificuldade aumenta a cada nova etapa.
5. É tudo somente sexo e amizade #sdds #nemguindaste
O flerte virou, e agora? Decidir se irá partir para a próxima fase depende muito de como você está se sentindo no momento e do quanto a pessoa em questão pode ser confiável ou não. Há uma série de questões envolvidas, como possibilidade de contágio, mixed feelings por causa do isolamento prolongado e o já conhecido “tapar o buraco”. Um sexo ruim a essas horas pode piorar sua saúde mental e aumentar o vazio.

Mas, porém, contudo você pode fazer parte das pessoas escolhidas por Deus que possuem um – BOM – contatinho sexual. Diria para você parar de ler esse texto agora e ir transar, porque olha, o apocalipse chegou, tá todo mundo desgraçado da cabeça e vai demorar uma eternidade para termos algo parecido com possibilidade de contato físico novamente.

Mas aí depende da disponibilidade (interesse e vontade) desse alecrim dourado. E, obviamente, do que está em jogo. A pessoa está isolada, alguém é grupo de risco, há possibilidade de contágio? Não é porque estamos no apocalipse que você precisa se jogar na fogueira. E ainda colocar outras pessoas em risco.
6. Responsabilidade afetiva
Esse é um assunto sério que não costumamos falar muito. Responsabilidade afetiva não é sobre a outra pessoa. É sobre você. Estamos afogadas num mar de “toxidade” que retira não apenas a nossa agência, mas a nossa parte nesse rolê afetivo/sexual. Ninguém tá pronto, bem resolvido, em dia com a terapia e já superou ex ficante-crush-amor.

Colocamos muita expectativa na outra pessoa e nos esquecemos que temos nossa própria bagagem, além de não sabermos o que estamos fazendo na maior parte do tempo. Vá com calma, deixe bem claro o que quer, o que não quer e – também – se não tem ideia de nada na sua vida. Converse.

Não tenha medo de expressar seus sentimentos, não sei de onde veio essa premissa de que precisa ser tudo escondido. Sinceridade e escuta fazem milagres, até para saber se a pessoa não é realmente uma furada e é melhor largar mão. Só não precisa despejar todo o seu sofrimento, ainda mais esperando algum tipo de apoio ou resolução.

Você também pode pôr na balança todas essas coisas e decidir ficar só. É difícil, quando temos toda uma pressão social que praticamente nos obriga a estarmos com alguém, se não quisermos entrar no time “all by myself”. Viver só pode ser uma experiência interessante, ainda mais em isolamento, quando você precisa ser a sua melhor companhia. Experimente gostar de você.
E o mais importante:
