3 meses

Parei de contar os dias na segunda semana, mas sei que no dia 14 dancei pela última vez numa pista, no dia 15 recebi uma notícia dolorosa com a qual tenho que lidar todos os dias e no dia 16 comecei o teletrabalho, nome bonito, parece algo do passado. Tentei fazer um diário, mas na segunda semana desisti, percebendo que não daria conta de narrar em distanciamento o que estava por vir.

Passei pela pulsão de morte, tão presente em toda a minha vida, pela pulsão de vida, primeira vez em que realmente senti vontade de viver, e pela leve indiferença, porque o isolamento em uma pandemia mundial pode ser devastador para quem está em constante busca por algo que dê sentido à sua própria carne.

Aprendi a olhar para o que realmente importa, que é a saúde física e mental dos meus, e a deixar de lado o que não me cabe. O vazio é imenso, porque é tanta coisa que não cabe, não há mais lugar para o que não constrói, fica apenas um espaço, ali, existindo. A vida em suspensão, tudo acontecendo lá fora e aqui dentro um relógio que parou, olhando aquele ponteiro estático, dia após dia.

Fiz inúmeras listas e planejamentos, todos devidamente empilhados num cantinho, tanto por realizar, nada que faça qualquer diferença na urgência do sobreviver. Faria, se conseguisse mover as engrenagens para longe do moinho. Mas não, a roda se movimenta em meio a números, nomes, projeções e o panorama é sempre o pior, porque “aqui tudo parece que era ainda construção e já é ruína.” Há mais de 500 anos.

O corpo padece e se o pulso ainda pulsa é por teimosia mesmo, porque já me desfaço em um definhar de tristeza pela falência da humanidade, eu que nem gosto de gente, mas queria mesmo gostar, porque as que eu gosto são tão especiais. Mas divago, queria um corpo forte para lutar o combate que virá e tenho apenas cabelos ralos, músculos flácidos e dentes que rangem. Coragem, amor, coragem.

Nos dias de semana ensino conteúdos que não fazem o menor sentido quando o poder foi entregue a um facínora, dou risada na minha própria incapacidade de encontrar respostas, onde está o grande plano que iria nos salvar? Aos sábados danço embrulhada nas cobertas e converso sobre um coração partido com desconhecidos.

Não há mais normal, desconfio que não haverá, sinto saudades de um tempo que nem era bom, mas havia um futuro. Por teimosia, danço no fim do mundo. Não espero que me entendam. Apenas agradeço, Clarice, porque ainda é tempo de morangos.

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