Acordo chorando, mais uma vez, e desisto de colocar a culpa nos hormônios, pois sei que são dias demais em quarentena e agora tudo vem em cachoeiras. O isolamento apenas impediu que levasse meu confinamento para passear, pois sigo presa em mim mesma há 1138 dias, também não posso mais culpar a pandemia mundial pelo o fato de que não sei o que fazer de mim. Foi uma ótima desculpa, mas um ano já se passou e agora é preciso tomar uma providência. Desde sempre eu desenho palavras, houve um tempo em que até achei que podia fazer uns versos, parei (ainda bem), mas mantive firme a tentativa de ordenar em palavras tudo o que carrego aqui dentro. Ou deixar fluir essa quantidade imensa de água-sentimento que jorra em mim. Quando não consigo, faço rascunhos facilmente apagáveis, invento palavras sem nexo em meus pensamentos, ou empresto palavras. Fal fala sobre “o peito borbulhando de dor” e lembro que aqui tudo sempre foi caos e destruição, se fizesse meu léxico de palavras entre posts e memes seria algo como: dor, fracasso, abismo, flerte ruim. E variações sobre o mesmo tema.
Mas ontem eu também acordei chorando e fiz um treino duplo de ballet, porque essa cachoeira de emoções represadas que não passeiam precisam escapar por todos os poros, em suor e ácido lático, transformadas em algo que se assemelhe a dopamina, serotonina, endorfina e ocitocina, não dá pra ser feliz confinada eternamente em si, as princesas disney que me perdoem. Também fiz uma torta de maçã, pois o mundo continua acabando todos os dias e não há dieta restritiva que dê conta de um corpo saudável quando se morre de tristeza um pouco a cada dia. Então, aquela torta sovada entre lágrimas e suspiros se transformou na comida mais gostosa do ano, no doce favorito da vida toda, na top 3 das delícias gastronômicas maternas. São 1138 dias construindo esses pequenos momentos, esses mínimos detalhes onde habita a maravilha de dividir a vida com meus filhos. A maternidade sempre me foi um lugar de conforto, mesmo nesse universo de devastação que sou. Então olho para a foto de fundo de tela do meu celular novo, me assusto por 2segs com aquela velha de olheiras profundas que aparece ali e lembro que ganhei um abraço e um “mãe, tira uma foto nossa pra por no seu celular” e tudo faz sentido novamente. Meu propósito é uma promessa de vida, o privilégio de poder me manter isolada com meus filhos enquanto o fim do mundo acontece lá fora.
Antes de ontem também acordei chorando, são muitos dias de choro, pois tudo borbulha aqui dentro, e eu fiz uma playlist com músicas de amor, mal percebendo que toda a minha vida é uma longa narrativa sobre corações partidos, o meu e o dos outros, e por isso estar apaixonada é esse assombro e salto no escuro e já a expectativa do fim. Eu não sei dançar tão devagar, Marina, não sei dançar juntinho, mal consigo dançar sozinha. Encontrar um ritmo e compasso que possa ser compartilhado é algo que me gera ansiedade, pois além de abismo sou terremoto e sonho com tornados devastadores. Coloco meus sentimentos todos em capsulas de contenção, torcendo para que ninguém – além de mim – se machuque no processo. Eu queria um amor que se desdobrasse em frestas, mas acordo chorando e me lembro que o carnaval já passou, o ano começa amanhã e preciso – de novo – pregar os quadros nas paredes e arrumar a estante de livros.
Quem é que ainda lê livros nos dias de hoje, afinal?