Sad and Brazilian

Passei 2020 full pistola, fervendo em ódio e bile. Do governo, das pessoas que o elegeram, que seguiam negando a pandemia, das pessoas anticiência, anticonhecimento, se aglomerando nas ruas, mantendo sua rotina de vida enquanto seguíamos em isolamento. Esse ódio serviu de motor para acordar todos os dias e para manter o foco no que era mais importante naquele momento: sobreviver. Manter uma rotina minimamente regular de alimentação e atividades de trabalho e estudo, manter a atenção concentrada nos filhos e em suas necessidades. Eles entenderam tão facilmente o privilégio de poder ficar em segurança em casa que ainda hoje, um ano depois, não reclamam e nem pedem para sair.

Esse ódio foi alimentado por todos os planos e sonhos que tive que abandonar, projetos que estavam finalmente saindo do papel, uma vida que começava a ser vivida, eu me reconstruindo e me reescrevendo após os anos de puro sofrimento pós-separação. Fui aos blocos de carnaval, decidi que não queria mais relações em que não houvesse reciprocidade e que ainda havia uma – nova – história que poderia ser vivida. Inclusive transformar esse blog em um lugar de divulgação e produção de conteúdos sobre gênero, foco da minha pesquisa acadêmica.

Esse ódio fez com que eu me mudasse de casa e tivesse que encarar uma história que já achava superada, reviver momentos de dor e poder ressignificá-los, transformando descaso em autoamor, músicas de coração partido em dança furiosa e libertadora. Arrumar e desarrumar, limpar e sujar, guardar e bagunçar, quinze anos de uma vida que não existe mais, dar cabo dos restos por que é preciso, mesmo que não se queira, assim é a vida, sempre trazendo o que achei que não cabia mais.

Esse ódio fez com que eu mergulhasse em mim, sendo obrigada a me olhar todos os dias, todos os dias, não há como fugir da tela, da imagem na tela, me olhando e me julgando: por que não fez diferente? porque não fez outras escolhas? por que não fez melhor? E assim, me olhando e olhando o mundo colapsando em minha volta, fui deixando o ódio fora, e por estar fora, dentro sobrou vazio e nesse vazio floresceram possibilidades outras, tão novas e surpreendentes que chegaram a assustar. É um assombro a potência de vida e de amor, já contei isso em prosa e verso aqui no blog, em todas as redes sociais, e mesas de bar virtuais.

Então sobrevivi a 2020 pela força do ódio, mas também do amor, porque descobri que era possível existir uma outra existência.

Haverá festa com o que restar – Francisco Mallmann

E então veio 2021 e o horror da falta de ar, materializada na falta de oxigênio, e nos corpos se empilhando nas filas de hospitais e na exaustão do meu próprio corpo confinado e toda aquela potência se extinguiu em poucos dias. Foi dando espaço a um coração cansado, a um pulmão cansado, a um sono entrecortado, tudo insuficiente. Muita tristeza, muita tristeza, porque se nem no paraíso se canta o tempo todo, essa gente que ri quando deve chorar e não vive apenas aguenta também deixa de aguentar.

Carne e Colapso – Jéssica Stori

São 365 dias que poderiam ter sido 30, 20, quantos dias são precisos para que uma nação decida se salvar? Eu que nem nacionalista sou, sofro de Brasil, sofro de viver no Brasil, e choro e me afogo em tristeza. Sofro o luto de ver toda aquela vida se acabar. E assim, exausta e triste, sigo para mais 365. Quem está a minha volta sofre comigo, porque é tristeza demais, chega a contaminar. Eu, que sempre fui um pouco (ou muito) triste, não me abalo, porque minha tristeza é potência de vida. Se a força do ódio deu lugar à força da dor, sigo. Apenas sigo. Nunca tive fé ou esperança, apenas esse moto contínuo que me faz seguir, não importa o que é que faça a roda girar. Sigo, para mais 365 dias.

O mito de Sísifo – Albert Camus

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